Brabos e Valentões.

 

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Os brabos e valentões do Recife.

Após o período da escravidão, a capoeira começa a surgir nas ruas e no porto de Recife, ainda de uma forma camuflada ela começa a se desenvolver ainda sem forma.

Arruaceiros e baderneiros assim eram conhecidos, malandros de rua que vestia um terno e chapéu de ceda, sempre andavam com sua bengala, navalha ou porretes procurando brigas em botecos e esquinas.
Ainda hoje, muito se discute sobre as origens da capoeira. Mas as perspectivas do debate estão atreladas aos diversos discursos que vestem sua imagem moderna, a esportiva. Parte-se de ideias construídas, e não de práticas sociais espontâneas.

A capoeira carioca está historicamente imbricada às maltas de capoeiras da cidade e à “filosofia da malandragem carioca” dos anos 1800. A baiana, por sua vez, está ligada à cultura negra baiana e especificamente ao candomblé. No Recife, ela se manifesta nas gangues de rua Brabos e Valentões.

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Para analisarmos a essência da capoeira, temos que voltar no tempo e considerar o contexto da realidade sociocultural de espaços com registros indenitários e territoriais dela. Neste olhar, destacam-se dois loci: Rio de Janeiro e Recife. Estes dois centros urbanos eram, no século XIX, os maiores pontos de comunicação com o resto do mundo, onde mais circulava gente, ideias, comércio. As zonas portuárias permitiam a troca de ideias entre nichos socioculturais semelhantes.

No século XIX, diversos movimentos ligados ao universo portuário apresentaram formas de organização indenitárias e territorial semelhantes. Eram as gangues de rua, movimentos sociais anárquicos que tinham como ponto de conexão o porto. O Rio de Janeiro era a capital que tinha aberto seu porto. E Recife representava a face revolucionária da colônia, com suas insurreições contra o absolutismo português, como a revolução de 1817, um ensaio para a independência, cinco anos depois. A capoeira do século XIX, no Rio, com as maltas de capoeira, e em Recife, com as gangues de rua dos Brabos e Valentões, foram movimentos muito semelhantes aos das gangues de savate (boxe francês) em Paris e das maltas de fadistas de Lisboa do século XIX. A semelhança pode ser constatada, por exemplo, no vestuário – lenço de seda no pescoço – ou no instrumental de combate – navalha, porrete, bengala etc. O que mais chama atenção, no entanto, é que os gestuais dessas lutas também são parecidos, ou seja, os golpes usados na aguerrida comunicação gestual eram análogos.

Por outro lado, as perspectivas indenitárias e territoriais próprias dão a cada movimento sua sócio fronteira, com espaços personalizados dos atores em seus próprios contextos socioculturais.

A capoeira marca sua presença em grupos de sócio fronteiras a partir de meados do século XIX, no Rio de Janeiro com as maltas e no Recife com as gangues. Nessas cidades, os grupos disputavam os espaços demarcados identicamente e tinham suas próprias manifestação rítmicas. As maltas eram confrarias cujos nomes variavam de acordo com a localidade em que se estabeleciam – seus espaços de sócio fronteiras. A malta da freguesia de Santana, por exemplo, chamava-se “Cadeira da Senhora”, a de Santa Rita era conhecida como “Três cachos” ou “Flor da Uva”, a do bairro de São Francisco, “dos Franciscanos”, a da Glória, “Flor da Gente”, a da Lapa, “Espada”, e a do Campo da Aclamação era chamada de “Lança” ou “malta de São Jorge”.

Estas maltas dividiam-se em dois grupos (“nações”) rivais: os Nagoas e Guaiamus. Tinham seus sinais característicos e suas saudações típicas, assim como juramento e preces faziam parte de seu ritual. Participavam de todas as manifestações cívicas e festas populares e eram vistas durante as paradas, precedidos pelos caxinguelês (aprendizes), que vinham gingando à frente dos batalhões durantes as paradas.

No Recife, os grupos de capoeira se organizavam de forma semelhante, porém mais atrelados às manifestações rítmicas. As bandas militares foram as primeiras organizações rítmicas absorvidas pelos espaços iniciais de sócio fronteiras da capoeira. A partir das Bandas do 4º Batalhão de Artilharia e o Espanha, do Corpo da Guarda Nacional, os grupos criam duas unidades sócio fronteiriças: O Partido do 4º ou “Banha Cheirosa” e o partido Espanha ou “Cabeças Secas”. A partir desta perspectiva indenitárias territorial, a capoeira pernambucana travou verdadeiras batalhas através de suas pernadas, sua ginga solta, aliadas à bengala, ao porrete, à navalha, à faca etc. Dos espaços rítmicos, o frevo – ritmo proveniente dessas estruturas de bandas e o passo da aguerrida comunicação dos capoeiras – era a última de suas brincadeiras.